quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Águas ainda não passadas

Águas ainda não passadas


Todo ser vivo transmite de uma geração para outra, para filhos e netos, o seu saber viver. Uma planta, por exemplo, ensina às descendentes, através do código genético, o que ela aprende durante a sua vida, sobre a difícil tarefa da luta pela sobrevivência. Assim, geração após geração, a sua espécie vai descobrindo que atrair insetos pode ajudá-la na polinização e conseguir aliados na defesa da sua integridade. Anos de exposição às intempéries vão lhe dizer quais as melhores defesas a serem adotadas nos períodos de seca, calor ou frio. Insetos ficam cada vez mais imunes aos venenos, porque os geneticamente mais fortes aprendem rápido como sobreviver às aplicações contra eles, criando defesas e transmitindo esse aprendizado para as próximas gerações. É a procura da proteção aos descendentes, pois a sobrevivência destes irá depender do que aprenderem e souberem passar aos que irão ocupar os seus lugares na natureza.

Refletindo sobre o comportamento humano, especialmente o das últimas gerações, e observando o descaso com que tratamos o lugar onde moramos, podemos formular algumas perguntas:

-Por que é que nós, que temos o dom da inteligência e que somos tão eficientes em produzir descendentes e ocupar espaços, agimos com tanta estupidez quando se trata de transmitir exatamente a nossa principal herança - um meio ambiente sadio?

Por que é que a cada geração deixamos a Terra cada vez mais suja e arrasada? E, de que adianta transmitir riquezas materiais para nossos netos e bisnetos se não estamos sabendo fazer o essencial, deixar o meio ambiente saudável para eles?

Não temos o direito de repassar aos nossos descendentes uma natureza devastada, florestas derrubadas, desertos, erosão, rios assoreados com águas sujas e envenenadas. Não temos o direito de entregar aos futuros moradores do nosso planeta um certificado dizendo: "Bem vindo à Terra, um lugar perigoso. Com certeza você vai morrer cedo, de fome, doença grave ou por falta de água. Talvez você não tenha tempo nem de gerar seus próximos descendentes e, se produzi-los, poderão apresentar sérios defeitos genéticos."

Os direitos de propriedade sobre a terra são relativamente recentes na história da humanidade, ainda não convivemos bem com a noção de que esta forma jurídica nos dá a garantia de ser dono de uma área, mas não dá o direito de destruí-la. Quem já percebeu isso, tem um duro trabalho de catequese pela frente: fazer com que nossos governantes, juristas, fazendeiros, agricultores, madeireiros e industriais entendam que estamos aqui de passagem, por breve espaço de tempo, e que não podemos usar até à exaustão qualquer bem que a natureza ou um Poder Divino nos "dá emprestado durante a nossa curta existência". Os antigos romanos sabiam disso e tinham como norma de vida intervir o mínimo possível na natureza, deixando-a quase como a encontraram. São conhecidos os lugares onde habitaram e promoveram a recuperação e a proteção da água e das florestas.

Uma geração é pouco para fazer os humanos compreenderem que destruir a natureza não é bom negócio. Nossos agricultores precisam parar de levar suas máquinas agrícolas até às margens dos rios, onde ganham alguns metros quadrados de lavoura, cuja produção depois é perdida na imperícia da colheita, nos desajustes dos equipamentos agrícolas e no transporte precário. Isso, sem contar com as perdas na hora da venda, pois estamos escravizados às bolsas de cereais do mercado internacional, que nos impõem o preço do que produzimos às duras penas e às custas da destruição do nosso maior patrimônio - nossas florestas, rios e animais silvestres -, patrimônio que, com certeza, fará muita falta num futuro não muito distante.

É urgente que aprendamos a salvar a Terra Brasilis para os futuros brasileiros, pois poucos lugares no mundo receberam dádiva tão generosa na forma de boa geografia, bom regime de águas, clima e biodiversidade. E para não sobrecarregar de culpa somente os responsáveis pela lavoura e pelo corte da madeira, observemos que os nossos principais rios passam sempre por dentro ou ao lado de cidades cujos moradores e administradores, já de longa data, pensam servir para descargas de lixo, esgotos e resíduos. Nesse trabalho de destruição sistemática iniciado há dezenas de anos, e na nossa falsa esperteza, valorizamos o fiscal corrupto que cobra por sua omissão, deixando que a sujeira e o veneno contaminem as águas ainda não passadas. E, se continuarmos a agir assim, quem viver, - das águas ainda não passadas -, delas não beberá.

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